SOBRADO AGUIAR VALLIM

Bananal RJ
2013
 

 

MEMORIAL

Construí um edifício novo com paredes antigas […]. Quando comecei percebi, juntamente com os arqueólogos, que o mosteiro era feito de sobreposições, comprovando que o património acaba sempre por ser feito por atentados ao património… A partir daí foi-me mais fácil materializar a ideia: fazer renascer o mosteiro como uma estrutura do século XX, no respeito pela História […].
Eduardo Souto de Moura

No caso do Sobrado Vallim fundamentalmente se propõe uma nova construção, e não somente restauro, onde coexistem os vários depoimentos ou testemunhos. Este importante edifício de esquina manterá sua importante e primeva relação volumétrica com a Praça, com a manutenção integral da sua fachada original, mas para abrigar o novo programa de sede da Prefeitura Municipal, seus espaços internos deverão se amoldar integralmente a esta nova demanda.

Considerando o atual estado das paredes divisórias (não estruturais), do assoalho, dos sanitários e, sobretudo, da cobertura (já alterada e comprometida do ponto de vista estrutural) vislumbra-se a possibilidade de construir um novo interior, a partir de uma estrutura metálica a ser insertada junto ao perímetro interno da construção e que será responsável por apoiar um novo piso superior e uma nova estrutura de cobertura (ambos também em estrutura metálica), além de contribuírem para estabilidade da estrutura das alvenarias externas de taipa. Esta intervenção interna no edifício se anunciará com clareza por sua independência, preservando desta forma a compreensão dos elementos pré-existentes.

No pavimento térreo será mantido, além das paredes externas, o conjunto de escadas interno, assim como o coro e os seus elementos decorativos e pictóricos existentes, que se constituirão no acesso principal a Prefeitura cujo programa será instalado integralmente no piso superior. A remoção completa das paredes não estruturais permitirá a liberação dos espaços deixando em evidencia os três segmentos espaciais que compõem o Sobrado de 50 metros de extensão. No pavimento superior o novo piso completamente técnico permitirá uma utilização adequada ao programa desejado, com total flexibilidade que admitirá diferentes formas de organizar os espaços conforme as demandas.

Finalmente, a nova cobertura manterá o perfil e volumetria da cobertura original, apesar de constituída de uma estrutura em aço e painéis pré-fabricados de concreto com capa de impermeabilização, envoltos exteriormente por telhas cerâmicas. Internamente, desprovida de tesouras e esteios, a estrutura metálica serão revestidas por um forro integral que garantirá uma continuidade visual deste novo plano, ampliando significativamente o espaço interno.

No vazio existente na face oeste, uma nova construção – como um anexo – ofertará todos os elementos que devem estar preferencialmente fora do edifício como instalações sanitárias, elevador e escada de serviço, que garantem a habitabilidade e funcionalidade do espaço servido. Esta estrutura lateral não será edifício fechado, mas uma varanda, aberta francamente de um lado para o edifício existente e do outro lado, na face que recebe insolação, circundado por uma velatura constituída por uma superfície de elementos verticais de madeira que filtrará a luz do sol resguardando igualmente a face oeste do Sobrado. Este bloco servidor será o primeiro elemento ser construído e servirá como apoio direto a reconstrução do Sobrado. Sob este edifício uma praça aberta e pública, servida de sanitários públicos, será abrigada por esta estrutura aérea que, por sua altura, não impedirá a visualização da construção original. Deverá se constituir em um quintal aberto, em novos acessos aos usos sugeridos no rés-do-chão do Sobrado: espaços destinados a Associação dos Amigos do Solar Vallim (loja e oficinas) e espaços expositivos.  Esta praça interna, como ampliação da calcada, deverá receber uma pavimentação similar a da praça principal, enfatizando a correlação entre ambos os espaços.

A estrutura anexa noticia a intervenção, pela manutenção das características externas originais do Sobrado, apesar da profunda alteração interna, promovendo o encontro e a coexistência entre os distintos tempos.

MEMORIAL DESCRITIVO DAS INTERVENÇÕES PROPOSTAS

PREMISSAS
O presente projeto de restauro e conservação tem como objetivo consolidar as características originais da edificação “Sobrado Aguiar Vallim” e, simultaneamente, satisfazer às demandas atuais do novo programa institucional de sede da prefeitura do município, adotando como linha reguladora princípios consolidados na história das teorias do restauro, a saber:
1 _ Distinguibilidade: evidenciam-se ao observador as intervenções ou acréscimos feitos no bem tombado, ocorridos no passado ou decorrentes do restauro em curso, documentando todos os episódios;
2 _ Mínima Intervenção: procura-se não desnaturar a obra como imagem figurada, respeitando todas as suas estratificações;
3 _ Reversibilidade: poderão ser suprimidas, quando da alteração dos programas ou do aparecimento de novas tecnologias, as intervenções necessárias a adequar o edifício ao novo programa, mas que não sejam estruturais;
4 _ Retrabalhabilidade: procura-se facilitar qualquer intervenção futura, ou sua manutenção;
5 _ Compatibilidade de técnicas e materiais: serão escolhidos materiais, técnicas e meios construtivos compatíveis que não sejam nocivos ao bem tombado e com eficácia comprovada através de exemplos e de anos.

PROSPECÇÕES
No caso do “Sobrado Aguiar Vallim”, vale destacar que o monumento sofreu intervenções significativas de restauro e adaptação, com alterações não desprezíveis para a integridade da obra, por exemplo: substituição da estrutura do telhado por outras tesouras de madeira, diferentes das originais em geometria, quantidade e posição em relação aos apoios sobre adobe/taipa, sistema utilizado nas paredes externas do edifício. Além disso, há acréscimos de tijolos em trechos de alvenarias; substituição de ripados de paredes; execução de novos “barreados” em taipas; alteração de pormenores das cimalhas etc. Nesse contexto do restauro e adaptação, propõe-se que o bem tombado seja objeto de nova e derradeira intervenção arqueológica com prospecções que devem abranger dos embasamentos ao madeiramento do telhado, passando, naturalmente, pela parte pictórica.

INTERVENÇÕES
Assim, especificamente para o caso do restauro do “Sobrado” o partido do projeto considerou as seguintes intervenções como principais:

Retirada das intervenções espúrias
Retirada de todas as intervenções espúrias, sobrepostas ao edifício original, deixando o bem tombado desvencilhado dos acréscimos e dos materiais incompatíveis que acumularam remendos na instalação pioneira, por exemplo: estrutura e madeiramento do telhado, pois além de não representarem solução técnica que evidencie o edifício primitivo e reconheça tal intervenção como de determinada época, nem atual e contemporânea, representa risco à estabilidade da construção;

Demolições para adequação de programa
Retirada de elementos ociosos da edificação que não mantém nenhum vínculo funcional com o espaço da prefeitura, por exemplo: divisórias internas sem valor estrutural e que não contenham pinturas significativas, desobstruindo o espaço truncado dos pavimentos para disponibilizar área formada por espaços flexíveis, condição ótima para salas de escritórios nas mais diversas composições de layout.

Recuperações e novos elementos
Reconfiguração de elementos imprescindíveis à integridade do monumento através de uma série de gestos contemporâneos referenciados à história, por exemplo: consolidação das paredes externas, construídas com adobe no pavimento superior e taipa de pilão no pavimento inferior, auxiliada por nova estrutura metálica, independente, que também servirá para recomposição da cobertura principal restaurando o entelhamento de telhas de barro;

Ampliação de área útil
Construção de nova edificação e novos espaços livres decididos na afirmação da contemporaneidade da intervenção, em linguagem simples, clara e geométrica, por exemplo: anexo na parte posterior do “Sobrado”, bloco servidor dotado de infraestrutura de circulação vertical, sanitários e copa, além de avarandado para fumantes, visando adequar o edifício para o cumprimento das normas de acessibilidade, implantado de modo a afastar-se e se diferenciar do conjunto principal, mantendo alinhamento e relação de escala, sem se confundir nem agredir, mas também sem se submeter.

Em síntese, pretende-se, com o conjunto de intervenções propostas, um resultado que possa ser lido como uma situação de confronto e entendimento entre dois momentos históricos claramente lançados.
 

FICHA TÉCNICA

PROJETO
2013

ARQUITETURA
Luciano Margotto
Moracy Amaral
Pablo Iglesias
Alvaro Puntoni
João Sodré
André Nunes
Anderson Freitas

CLABORADORES
Rafael Chung
Caio Pereira
Alexandre Mendes

CONSULTORES TÉCNICOS
Afaplan Planejamento e Gestão de Projetos
Erik da Silva Martins João – fundações, estruturas, instalações hidráulicas e sanitárias
João Carlos Martins de Carvalho – instalações elétrica, eletrônicas e telefônicas
José de Araújo Neto – instalações mecânicas

ÁREA DO TERRENO
8.200 m²

ÁREA CONSTRUÍDA
2.000 m²