DESTILARIA CENTRAL

Lençóis Paulista SP
2013
 

 

MEMORIAL

Perante duas hipóteses, optamos por recusar a consolidação pura e simples da ruína para uso contemplativo, apostando por injetar materiais, usos e formas “entre les choses” como dizia Le Corbusier. O “pitoresco” é uma fatalidade que acontece e não uma vontade do programa. Com as dificuldades do tema e do edifício, a ruína foi-se moldando, amaciando, perante a evidência das coisas “naturais”. É que a “realidade é terrivelmente superior a qualquer história, fábula, divindade, surrealidade”.
Eduardo Souto de Moura

O conjunto difuso edificado em Lençóis Paulistas é significativo por sua relação com a cidade. Uma oportunidade única de estabelecer uma área pública, dotada de equipamentos educacionais que consolidará usos desejáveis para urbe. Mais que futura escola é um parque.

Todas as estruturas remanescentes serão utilizadas passando a se constituir em um conjunto integral a partir de ações precisas.
Um primeiro procedimento é a reorganização do assoalho original do terreno por meio da construção de uma calçada ou eira. Como um pavimento articulador, este piso incorpora as casas existentes ao conjunto principal da destilaria, lança os percursos transversos que conectam todas as construções que constituirão a escola de formação técnica, une os extremos do terreno e se liga as ruas do perímetro.

Outro importante elemento indutor da conformação do novo conjunto é o pavilhão a ser construído na porção posterior do terreno, definindo por sua ubiquação dois espaços distintos, ainda que abertos e públicos: a escola e a praça de atividades esportivas. Este edifício é o primeiro elemento a ser construído e a partir da instalação de uma oficina de construção serão organizadas as demais intervenções no patrimônio edificado, constituindo-se desta forma em um centro de formação técnica desde o início. No final admitirá todo o programa de oficinas relativas ao modulo educativo de Técnicas Industriais que seriam dificilmente instalados nos espaços existentes. Volumetricamente é uma barra branca e neutral, de 90 metros de extensão, que funciona como um anteparo visual ao conjunto a ser recuperado. A estrutura em concreto define um espaço único e continuo, organizado por três patamares articulados entre si com pés-direitos variados.

Estas duas ações iniciais insertam claramente o conjunto da escola em um retângulo perfeitamente legível, de fácil compreensão e, por consequência, de fácil administração, uso e manutenção, liberando os espaços perimétricos para os outros usos do parque.

O conjunto fabril principal da Destilaria será ocupado pelo modulo educativo de Artes. Um plano horizontal de concreto independente das paredes de alvenaria existentes define os novos espaços e coaduna os ambientes compartimentados ao espaço mais amplo. A torre abrigará uma biblioteca comum ao conjunto, a partir da ocupação das lajes existentes da estrutura, inserindo um novo conjunto de circulação vertical (elevador e escada fixa) nos espaços verticais contínuos. Este novo programa como uma sugestão a ser incorporada ao original, sublinha a importância simbólica deste edifício aéreo que deverá, como um farol, anunciar o novo foro para cidade.

Ocupando o galpão lateral, ao lado deste conjunto, o centro de panificação se ofertará também como um espaço de alimentação do conjunto, aberto para uma praça do café no terraço conformado pelos muros de contenção.

O conjunto de casas existentes será recuperado e mantido, admitindo os módulos educativos de Técnicas Comerciais e Beleza, mantendo desta maneira a integridade inicial do conjunto que acolhia a habitação junto à unidade fabril. Todos os muros, divisas e cercas serão removidos, incorporando-as efetivamente no parque.

Os reservatórios de metal de armazenamento de álcool existentes na porção norte do terreno serão mantidos e utilizados como espaços multiuso para aulas, reuniões, exposições e eventos.

Ao final, a partir de intervenções simples, por meio de uma arquitetura clara e incisiva, o conjunto deverá se articular com a cidade, simultaneamente como estar público e equipamento educacional, aberto e permeável ao uso de todos, religando tempo e espaço, história e vida.

MEMORIAL DAS INTERVENÇÕES PROPOSTAS

PREMISSAS
O presente projeto de restauro e conservação tem como objetivo consolidar as características originais das edificações da “Destilaria Central” e, simultaneamente, satisfazer às demandas atuais do novo programa escolar, adotando como linha reguladora princípios consolidados na história das teorias do restauro, a saber:
1 _ Distinguibilidade: evidenciam-se ao observador as intervenções ou acréscimos feitos no bem tombado, ocorridos no passado ou decorrentes do restauro em curso, documentando todos os episódios;
2 _ Mínima Intervenção: procura-se não desnaturar a obra como imagem figurada, respeitando todas as suas estratificações;
3 _ Reversibilidade: poderão ser suprimidas, quando da alteração dos programas ou do aparecimento de novas tecnologias, as intervenções necessárias a adequar o edifício ao novo programa, mas que não sejam estruturais;
4 _ Retrabalhabilidade: procura-se facilitar qualquer intervenção futura, ou sua manutenção;
5 _ Compatibilidade de técnicas e materiais: serão escolhidos materiais, técnicas e meios construtivos compatíveis que não sejam nocivos ao bem tombado e com eficácia comprovada através de exemplos e de anos.

INTERVENÇÕES
Assim, especificamente, para o caso do restauro da “Destilaria Central” o partido do projeto considerou as seguintes intervenções como principais:

Retirada das intervenções espúrias
Retirada de todas as intervenções espúrias, sobrepostas ao edifício original, por exemplo: puxadinhos, cercas e muros divisórios, no correr de casas que funcionava como moradia dos altos funcionários da Destilaria, que não obedecem a um mesmo padrão enquanto solução formal, nem a uma disciplina enquanto apropriação do espaço, nem a uma solução técnica que evidencie os edifícios primitivos e reconheça tais intervenções como atuais e contemporâneas;

Demolições para adequação de programa
Retirada de elementos ociosos das edificações que não mantém nenhum vínculo funcional com o espaço da escola, por exemplo: escadas de serviço no interior do bloco principal – torre que abrigava tubos por onde corria originalmente a aguardente no processo de transformação – para desobstrução dos espaços exíguos das lajes existentes, possibilitando implantação da biblioteca;

Recuperações
Reconfiguração de elementos imprescindíveis à integridade do monumento, recusando a hipótese de consolidação pura e simples da ruína para uso contemplativo, por exemplo: recomposição da cobertura de ala mais compartimentada do galpão principal da Destilaria, restaurando o entelhamento de telhas francesas;

Novos elementos
Construção de novos elementos referenciados à história, por exemplo: marquise de concreto para interligação de blocos do conjunto principal que, tangenciando as paredes da velha construção, cita e recupera a função de circulação original em avarandado de telhas;

Ampliação de área útil
Construção de novas edificações e novos espaços livres decididos na afirmação da contemporaneidade da intervenção, em linguagem simples, clara e geométrica, por exemplo: pavilhão que abriga o programa de aulas para Técnicas Industriais, implantado de modo a afastar-se e se diferenciar do conjunto principal, mantendo alinhamento e relação de escala, sem se confundir nem agredir, mas também sem se submeter.

Em síntese, pretende-se, com o conjunto de intervenções propostas, um resultado que possa ser lido como uma situação de confronto e entendimento entre dois momentos históricos claramente lançados.
 

FICHA TÉCNICA

PROJETO
2013

ARQUITETURA
Luciano Margotto
Moracy Amaral
Pablo Iglesias
Alvaro Puntoni
João Sodré
André Nunes
Anderson Freitas

COLABORADORES
Rafael Chung
Caio Pereira
Alexandre Mendes

CONSULTORES TÉCNICOS
Afaplan Planejamento e Gestão de Projetos
Erik da Silva Martins João – fundações, estruturas, instalações hidráulicas e sanitárias
João Carlos Martins de Carvalho – instalações elétrica, eletrônicas e telefônicas
José de Araújo Neto – instalações mecânicas

ÁREA DO TERRENO
23.500 m²

ÁREA CONSTRUÍDA
4.100 m²