MORADIA ESTUDANTIL UNIFESP

São José dos Campos SP
2015

 

MEMORIAL

Pensemos bem antes de trair a cidade; antes de nos resignarmos a perdê-la: porque a cidade é uma belíssima invenção, é uma das mais belas e complexas invenções do homem, tão antiga quanto a sua civilização.
Renzo Piano

A ideia essencial do projeto é integrar-se à paisagem e, simultaneamente, marcá-la, explorando as possibilidades de transformação da natureza e das cidades. O que se propõe não é um alojamento, mas um conjunto arquitetônico que: 1) dá continuidade à urbanidade incipiente do atual campus, valendo-se de um dos seus eixos de implantação; 2) organiza o novo território, qualificando seu chão como equipamento coletivo; 3) garante a privacidade primordial das moradias que o originam. Concorre com uma ideia que captar e inventar o lugar podem ser feitos a um só tempo, em uma mesma ação.

NATUREZA E EDIFÍCIO
As áreas destinadas à Moradia Estudantil e à convivência estão localizadas no centro do terreno pertencente à UNIFESP e configuram-se como uma península envolta pela Área de Proteção Permanente (APP), com importante valor paisagístico. A implantação e o desenho do edifício reconhecem a importância da paisagem física e cultural do lugar durante a inauguração do campus e, em particular, do que é criado por ele, em que coexistem paisagem natural e novas construções, com eixos de implantação, natureza e artefato. As imutáveis diferenças entre eles são o que os reforça e ilumina. O edifício está situado na parte mais alta da península, próximo ao acesso, em posição que descortina a paisagem da APP. Ambos se conservam e são identificáveis.

ARTICULAÇÃO COM O ENTORNO
O conjunto se organiza com dois volumes laminares implantados paralelos ao eixo definido pela segunda fase de implantação do campus. É a mesma orientação do Bloco II (a ser construído), da quadra de esportes e da área de lazer existentes. Com essa orientação, todos os espaços de uso íntimo (184 quartos) se voltam para nascente e todos os de uso coletivo imediato (72 apoios “molhados”: banheiros, copa, cozinha e área de serviço) colocam-se para a face oeste. Reconhecer a inteligência de uma geometria reguladora já presente no campus aposta na continuidade entre as duas partes, confirmando o desejo de integração entre novo e existente.

A DISTRIBUIÇÃO DO PROGRAMA
O arranjo do programa está diretamente ligado com a disposição das peças edificadas no terreno. Na base do conjunto – o térreo que se implanta adaptando-se ao perfil natural – encontram-se as funções de uso coletivo geral, equipamentos de lazer, reunião e serviços, que atendem aos núcleos de moradia e são extensivos a toda comunidade do conjunto, independente de qual núcleo pertença o morador, e também para a comunidade externa. Esses espaços estão organizados e articulados pela rua ou praça dos equipamentos, dividida em níveis, marcadas pela posição de mirante para a APP e para o edifício principal do campus (Bloco I). Na parte superior das lâminas se situam o “Núcleo Moradia” e os Espaços de Uso Coletivo Intermediário. Por último, um pequeno pavimento semienterrado sob a praça de acesso organiza áreas técnicas e de apoio. Essa solução em meio nível em relação ao terreno permite retirar da visão do usuário a dureza ou algazarra típica dos espaços de manutenção predial.

PRAÇA DOS EQUIPAMENTOS: ESPAÇOS DE USO COLETIVO GERAL
Todo o programa está distribuído e relacionado com a rua de convivência, uma extensa “praça” que abrigará cotidianamente alunos, usuários e funcionários como ambiente essencialmente informal e, por sua amplidão, como possível área para exposições ou eventos não convencionais como rodas de estórias, performances teatrais e apresentações musicais. É o elemento estruturador de todo o complexo. Desde a rua estarão visíveis o fruir artístico, a educação não formal e as atividades lúdico-desportivas. Trata-se de um elemento que marca a paisagem, organiza o território, confere caráter ao conjunto, mas que se desfaz pela naturalidade com que se organiza.

MÓDULOS DO PROGRAMA: NÚCLEO MORADIA
Os dois tipos de ambientes que compõem o “Núcleo Moradia” (Espaços de Uso Privativo e Espaços de Uso Coletivo Imediato) foram agrupados e separados em duas alas dentro das lâminas. Desse modo aproveita-se a melhor insolação para cada tipo de ambiente e organizam-se as redes e feixes de instalações ao longo da estrutura que abriga na sua cobertura máquinas, reservatórios superiores e placas coletoras para aquecimento solar a ser empregado na água de banho.

MÓDULOS DO PROGRAMA: ESPAÇOS DE USO COLETIVO INTERMEDIÁRIO
Os espaços de estar e os de estudo previstos para cada grupo de 30 moradores foram distribuídos estrategicamente ou longo das plantas, associados à circulação, às vistas e ao vazio. Por se tratarem de atividades essenciais à moradia e aos estudantes, sua posição levemente introvertida não representa invisibilidade, mas ao contrário, revela-se ao usuário relacionando-se ora com a rua de convivência ora com a paisagem, preservando-se do agito do térreo.

ACESSOS, CONEXÕES E CIRCULAÇÕES
Todos os acessos previstos para essa área do campus foram considerados e respeitados no projeto. Destacam-se: 1) praça de ingresso na cota mais alta, na face sul da área de moradia; 2) conexão pela área de convivência em nível, sugerindo que o viário em estudo passe em cota mais baixa sem tocar a APP; 3) passarela de ligação para a quadra de esportes existente. Em relação às circulações internas, as duas lâminas foram tratadas como um único sistema de tal modo que a apenas três torres de circulação vertical e algumas passarelas transversais sobre a praça de equipamentos atendem a todo conjunto. Em síntese, essa concepção economiza uma torre de circulação vertical.

ESTRUTURA E CONSTRUÇÃO: OBRA COMO MONTAGEM
O sistema construtivo adotado apoia-se na pré-fabricação dos processos produtivos visando racionalização e economia. A estrutura é independente e inicialmente pensada em perfis metálicos, gerando pórticos contraventados para reduzir consumo de material. Os vãos principais (de 9 m para a lâmina mais larga e 6,75 m para a outra) são modulados com vigas secundárias de modo a se permitir painéis de lajes pequenos e leves, todos com a mesma dimensão, vencendo vãos de 2,25 m. As caixas de fachada utilizam técnica de pré-moldagem em argamassa armada. As instalações em geral são aparentes ou correm por canaletas e estojos visitáveis. Essa concepção permite vislumbrar a obra essencialmente como montagem. Nesse canteiro não haverá formas ou cimbramentos. O sistema adotado, além de considerar as questões relacionadas à exequibilidade da obra e à facilidade dos serviços de manutenção, também levou em conta a característica de renovação periódica que é intrínseca aos edifícios e à cidade.

ÁREA DE CONVIVÊNCIA E ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (APP)
Essa área de grande potencial paisagístico encontra-se bastante descaracterizada em relação à cobertura vegetal original e deverá ser objeto de um programa de recomposição de mata ciliar, retomando assim suas características e proporcionando um ambiente rico para o desenvolvimento da fauna e da flora. Considerando a topografia, a cobertura vegetal, os corpos d´água, a legislação ambiental, o viário e as conexões previstas, o projeto propõe a instalação de uma quadra poliesportiva e uma praça de atividades, que abrigará diversos equipamentos de apoio (bancos, mesas, áreas de picnic etc.) configurados por módulos pré-fabricados em argamassa armada com dimensões de 3x3x3m, possibilitando diversos arranjos junto a espécies arbóreas nativas propostas. Esses elementos potencialmente concebidos para uso público de recreação, lazer e esportes, além de descanso e atividades lúdicas, proporcionam de maneira imediata um singelo abrigo às intempéries. A área de convivência terá importância fundamental como espaço de transição entre o conjunto arquitetônico projetado e seu entorno imediato, integrada à Área de Proteção Permanente (APP) e que através do desenho de vertedouros, contenções, escadas, arquibancadas e muros auxiliará na promoção da qualidade de vida da população.

BEM ESTAR E EFICIÊNCIA AMBIENTAL
As moradias foram desenhadas como um conjunto autossuficiente no que se refere à gestão da água e ao saneamento: a água de chuva é recolhida, armazenada e redistribuída; as águas residuais são tratadas in loco. Também foram considerados outros critérios mínimos para uma arquitetura que, desde sua concepção espacial com soluções integradas, busca a máxima eficiência de desempenho: geração de energias renováveis; materiais reciclados; qualidade do ambiente interno; mobilidade e acessibilidade (a implantação e o próprio desenho do edifício adaptado ao perfil do terreno facilitam o acesso de pessoas portadoras de necessidades especiais a todos as instalações).

Finalmente, o projeto, além de responder às condicionantes geomorfológicas do sítio e resultar articulado, frequentando o terreno com o escalonamento do térreo, é, em síntese, rico em urbanidade. Coloca o equipamento no chão como res publica. Propõe cidade. Apresenta-se como matriz para uma flexibilidade tal que as possibilidades de crescimento são todas possíveis e controláveis, comportando uma transformação no tempo programada, e não improvisada.
 

FICHA TÉCNICA

PROJETO
2015

ARQUITETURA
Luciano Margotto
Apoena Amaral e Almeida

COLABORADORES
André Sauaia
Rafael Chung
Pedro Ribeiro de Castro Matheus
Rodrigo Carvalho Pereira
Bianca Santos
Pedro Wendling Pontes
Cristina Tosta
Vito Macchione Ferreira
Ana Paula Castro

ESTRUTURAS
Jorge Zaven Kurkdjian
kurkdjian & fruchtengarten engenheiros associados

CONFORTO AMBIENTAL
Sofia Lori Kubo
Thomas Forster
k2 arquitetura

ÁREA DO TERRENO
18.594 m²

ÁREA CONSTRUÍDA
6.760 m²